Premissas de Liberdade
Por vezes, as pessoas perguntam-me porque gosto destas coisas, destes mundanos veículos de transporte público. De facto, gosto da maioria dos veículos. De bicicletas a naves espaciais. Gosto dos seus mecanismos e do seu movimento. Na minha infância, desde que me saia bem na escola, é-me permitido andar livremente pela cidade e arredores. E os autocarros e os eléctricos e os comboios suburbanos e os ferries tornam-se fascinantes premissas para a minha liberdade.
Claro que existem perigos nas ruas – pedófilos e drogas e brigas violentas e sangue. Mas aprendemos a lidar com isso e além de algumas visitas ao hospital, raios-x e algumas cicatrizes as coisas tendem a terminar bem. À noite, ao folhear as páginas das revistas de transportes, sinto a necessidade de tirar as minhas próprias fotos e apontamentos destes fiéis companheiros de liberdade.
Apercebo-me de que preciso de memórias. Memórias passadas, memórias presentes, memórias futuras – tanto faz. Apercebo-me de que este é o meu tempo e quero aproveitá-lo o melhor que puder e lembrar-me e conversar sobre isso com os meus amigos. E, para o melhor ou para o pior, imaginar o futuro. Hoje, sou grato pela liberdade que me foi concedida quando criança. Que filme espantoso, ainda em curso, guardo na minha memória.
Não tenho qualquer relação formal com os operadores ou fabricantes retratados nas minhas fotos de veículos de transporte público. Como profissional de comunicação, conduzi quase dois milhões de quilómetros até agora, quase sempre de noite. Nem por uma vez, nessas viagens intermináveis e solitárias e mágicas, onde literalmente tudo vem à cabeça, penso em tornar-me motorista, guarda-freio, maquinista, ou mestre. De todo.
Apenas gosto destas coisas. Os meus fiéis companheiros de liberdade. ●
English version, here.
Texto original publicado em Setembro de 2014 no website IT’S ONLY BUSES.
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